27/12/2012

Crítica ao Corsário dos Sete Mares por Celso Santos (Aveiro)

Texto de apresentação de O Corsário dos Sete Mares, na Bertrand do Fórum de Aveiro, em 18 de Novembro, 2012

"Considerada pela crítica, uma especialista na difícil arte da escrita do romance histórico, Deana Barroqueiro soube criar o seu próprio estilo.
Os seus romances assentam numa profunda investigação histórica e documental, quer sobre os personagens, quer sobre os acontecimentos.

A narrativa privilegia o realismo, recriando de forma fidedigna, episódios tão distantes no tempo. Faz uma interpretação plural, sem censura, dos diferentes personagens e das diferentes culturas ou civilizações, e dá-nos a conhecer os pensamentos, os costumes e as religiões daquela época.

A paixão pela reabilitação de figuras polémicas da nossa história indevidamente marginalizadas ou injustamente ignoradas, levou a Deana Barroqueiro a romancear a vida de Fernão Mendes Pinto, como já tinha acontecido com Bartolomeu Dias no “Navegador da Passagem”, e Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva no “Espião de D.João II”.

Segundo nos dá conta no prefácio do livro, foram inúmeras as hesitações que teve em escrever um romance sobre um anti-herói tão desmesurado, como foi Fernão Mendes Pinto, de quem pouco mais se sabe além daquilo que ele escreveu na sua obra “A Peregrinação”.

Como todos sabem, “A Peregrinação”(1) é uma viagem através da História dos Descobrimentos Portugueses no Oriente, na qual Fernão Mendes Pinto é simultaneamente o autor e o personagem principal. Desde a Etiópia até à China, navegou durante vinte anos, pelos mares (Roxo, da Arábia, Samatra, Japão, China, Java e Sião), onde naufragou, ganhou e perdeu verdadeiros tesouros.
 Foi o personagem de fantásticas aventuras, tão fabulosas quanto inacreditáveis, transformando-se num homem dos sete ofícios, tendo sido: criado, soldado, marinheiro, descobridor, mercador, corsário dos mares da China, pedinte, físico e médico ocasional e embaixador. Treze vezes cativo, dezassete vezes vendido, podia ter morrido vinte vezes! Conforme nos conta.

Trinta anos após ter vivido esta epopeia, Fernão Mendes escreve a Peregrinação. Encontrava-se agora junto ao Tejo, estava pobre, desiludido e com saudades dos magníficos episódios vividos nas longínquas paragens do Oriente. Bastante distanciado dos acontecimentos que vivera, é possível que o rigor dos relatos seja prejudicado pela memória ou falseados pela fantasia.

Não faltou, quem pusesse em dúvida a veracidade dos relatos que fez das suas aventuras, por os considerarem inverosímeis e demasiado fantásticos e romanescos. Por isso se brinca com o seu nome. Fernão, Mentes? Minto. Mas, em geral, a veracidade da sua narrativa é real como comprovam as descrições feitas por padres jesuítas, ou os escritos de estudiosos da sua obra, ou ainda os livros de viagens, ou escritos japoneses.

O que mais marca a personalidade de Fernão Mendes Pinto é a sua faceta de anti-herói e de falta de fortuna em que os Fados não lhe permitam ser feliz por muito tempo.
Compara-se a um “pobre diabo”, desprovido do seu orgulho, e conta sem pudor que se lançou aos pés de “vilões” e “safados”, implorando que lhe salvassem a pele.

Mas Deana Barroqueiro valoriza também, em Fernão Mendes Pinto, a característica burlesca, tão portuguesa, do aventureiro que graças à sua esperteza e expediente, consegue sobreviver às situações mais perigosas e difíceis.
Foi também um líder, em quem, os portugueses, seus companheiros de aventura, reconheciam qualidades de liderança, e por isso o seguiam nas decisões que tomava.
Conheceu portugueses filhos da nobreza, que buscavam a honra e o proveito, através das armas, na pirataria, ou mesmo nas armadas de reis muçulmanos.
Encontrou outros portugueses, que eram considerados como desaparecidos, mas que afinal estavam perdidos naquele vastíssimo mundo, a viver entre raças estranhas, sem esperança de virem a ser resgatados um dia.
Cruzou-se com chefes militares, senhores da guerra, capitães, marinheiros, mercadores, criados, escravos…
De todos eles, Fernão Mendes aproveitou sempre para ouvir as histórias das suas vidas, e recolher a informação sobre os povos e terras, para mais tarde escrever a sua “Peregrinação”.

O romance está dividido em sete mares e possui mapas, que facilitam a compreensão geográfica dos mares e territórios, por onde Fernão Mendes Pinto passou.

O facto de cada capítulo começar “por um provérbio e um texto da época retratada”, transporta-nos ao ambiente e mentalidade desse tempo, dando-nos uma imagem da cultura de tantos povos: Abexins, Mouros, Turcos, Batas, Achéns, Malaios, Jaus, Chins, Japões….

A visão da mulher, à luz das culturas, daqueles povos tão diferentes, é também um elemento transversal em todo o romance. A “Alma Feminina” está bem viva através da descrição das paixões e revoltas das mulheres, mas sobretudo no relato que nos faz da força e orgulho demonstrado pelas heroínas.

A estrutura do romance é um encadeado de inúmeras peças, que se entrecruzam de forma complexa, mas cujo resultado final, constitui um todo coerente e equilibrado.
O objectivo como diz a Deana Barroqueiro, é estimular-nos a curiosidade, alargar o nosso conhecimento de forma divertida e surpreender-nos constantemente, enquanto lemos este “Corsário dos Sete Mares”.

(1)- A edição primitiva foi publicada em 1614, trinta e um anos após a morte de Fernão Mendes Pinto

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